Oi
vamos começar?
Jamie encarou a
própria mão com bastante seriedade. Era uma criança muito compenetrada para a
idade. Ergueu o olhar para Hannah, exibindo quatro dedinhos.
— Pronto! Agora vou
comer sorvete?
— Posso comer sorvete,
por favor? — corrigiu Guy.
Jamie entendeu
errado, e disse, com um suspiro resignado:
— O papai quer
sorvete também.
A expressão de Guy
foi de impaciência, mas Hannah riu, acostumada que estava a tratar com crianças
pequenas. Tinha um grande senso de humor e muita tolerância ao barulho e ao alegre
caos infantil.
- Sei que seu pai
gosta de morango — disse a Jamie. — Qual seu preferido?
- Baunilha.
Guy a seguiu para
um canto do salão. - Preciso falar-lhe, Hannah. É importantante.
Sem motivo
aparente, ela sentiu um nó no estômago. Sempre conversavam sobre tudo quando
eram crianças. Por que as coisas deveriam ser diferentes? Além do mais, era
óbvio que Ross se casara, pensou Hannah, portanto seria bobagem interessar-se
pelo velho amigo de infância. Falou em voz alta:
— Certo. Mas
deixe-me pegar o sorvete para Jamie primeiro.
Guy a viu
desaparecer na cozinha do restaurante, e gritou:
— Ouvi dizer que
Deke trabalha em um barco de pesca. É o caçula, não?
— Sim. — A voz de
Hannah soou abafada, na cozinha. — Está economizando para ir para a
universidade. Deke é como você, não vê a hora de deixar Quicksilver.
Guy mexeu-se na
cadeira, sentindo-se desconfortável. Sim, pensou, estivera ansioso por ir
embora daquela cidade atrasada e decadente, onde as principais diversões eram a
caça, a bebida e o musgo que crescia nas árvores.
Por outro lado,
Hannah sempre parecera muito feliz por viver em Quicksilver, pois sua família
era o centro de seu mundo.
Hannah surgiu com
uma bandeja e dois sorvetes.
Guy colocou o filho
no colo, ajeitando-lhe um guardanapo em volta do pescoço. Sentia-se pouco à
vontade, pois só estavam juntos havia poucas semanas.
Ouviu-se o rumor
animado de pessoas chegando.
— São os convidados
para a festa do casamento — explicou Hannah, com um sorriso.
— Não pude acreditar quando seu pai disse que era o casamento da
velha Penny —comentou Guy.
Hannah lançou-lhe
um olhar desconfiado.
— Quando viu meu
pai?
— Há alguns dias
telefonei para ele.
Continuou a encará-lo
com ar confuso. Se Guy queria lhe falar, pensou, por que não a procurara logo,
em vez de conversar com seu pai?
— Enfim sou uma
senhora casada! — gritou Penny, entrando no salão.
Todos os demais
vestiam jeans, mas a noiva estava com um vestido de miçangas, e uma estola
púrpura de seda.
Hannah a abraçou.
— Parabéns, sra.
Dobkins! Está linda!
E dizia a verdade.
Penny podia ter muitas rugas e um passado questionável, mas, no momento, nada
disso importava. Era uma sobrevivente, um monumento à perseverança em busca da
felicidade, e isso a fazia linda.
— Tudo está muito
bonito, cheio de laços e flores — elogiou Penny. — Obrigada, querida.
— Fiz com o maior
prazer. Agora sente-se e divirta-se, Penny.
O espaço no bar e
restaurante da cidade era pequeno, e com quase toda Quicksilver entre as quatro
paredes, o barulho era ensurdecedor.
Quando teve uma
chance, Hannah puxou o pai para um canto.
— O que está
acontecendo com Guy McCoy? Não
me contou que falou com ele,
— Perguntou sobre
você também.
Hannah ignorou o
prazer que sentiu com aquela notícia e continuou:
— Sim, mas por que
ele está aqui?
— Pergunte ao Guy.
Nossa! Esse bolo de chocolate parece ótimo! Vou me servir antes que acabe.
— Papai, você me
deixa louca!
— Tudo bem, querida.
A propósito, sabia que Guy está divorciado?
Com esse último
comentário, Edgar dirigiu-se à grande mesa posta com as iguarias, deixando a
filha de olhos semicerrados, e batendo com o pé no chão, de modo irritado.
Hannah amava o pai,
mas Edgar tinha a incrível capacidade de se livrar de situações desagradáveis
ou embaraçosas com um sorriso nos lábios.
E por que
mencionara o divórcio de Guy McCoy? Conhecendo o pai muito bem, Hannah concluiu
que o comentário podia ter sido uma indireta para que seduzisse o amigo de
infância. A idéia não era de todo má, porém duvidava de que tivesse muita
experiência em matéria de sedução. Era estranho, mas ainda o considerava o
companheiro de brincadeiras da infância. Guy estava sentado a um canto,
saboreando o sorvete de morango com Jamie ao lado, e conversando com as
pessoas, de modo tão tranqüilo que parecia nunca ter deixado Quicksilver. Com o
pretexto de levar um copo do leite para Jaime, Hannah aproximou-se.
—Queria conversar
comigo, Guy?
—Sim. — Ele afastou
a taça com sorvete. — Pelo que sei continua solteira.
— Sim, obrigada —
retrucou Hannah de mau humor.
Guy pareceu
surpreso com a reação da antiga companheira de infância.
—Não quis
ofendê-la.
—Claro que não.
Hannah pegou os
copos e taças sujos, o dirigiu-se à cozinha. Já não estava curiosa. Guy só
quisera perguntar sobre a sua vida, e isso era natural.
— Hannah...
Guy aproximara-se
por trás.
—O que é?
—Não quis
aborrecê-la.
Hannah suspirou.
Sabia que estava sensível demais.
— Esqueça. É que
agora, depois do casamento de Penny, sou a última solteira em Quicksilver.
Pensei que houvesse aderido às brincadeiras também.
Uma expressão
chocada surgiu no rosto de Guy.
— Jamais faria tal
coisa! Pergunto apenas porque...
— Seu pai precisa
da chave da adega para pegar mais bebida — anunciou Penny, entrando de supetão
na cozinha. Hannah suspirou. Era tudo do que precisava, pensou, aborrecida. Um
bando de Velhos bêbados! Saiu correndo o sorriu ao ver Jamie no meio de três
senhoras idosas que o mimavam como galinhas com um pintinho. Não havia muitas
crianças em Quicksilver, pois as famílias jovens costumavam mudar-se para
comunidades maiores que ofereciam mais oportunidades, como Anchorage e
Fairbanks.
Guy segurou-a pelo
braço.
— Vamos conversar
lá fora.
— Estou ocupada —
respondeu Hannah, livrando-se dele, mas Guy a seguiu para a despensa. Meu Deus!
O homem esperara dezessete anos para revê-la, resmungou Hannah consigo mesma, e
agia como se a casa estivesse pegando fogo e não tivesse um minuto a perder! —
Estou falando sério — insistiu Guy. — Onde podemos conversar em particular?
Hannah ergueu os olhos para o alto, impaciente.
— Tenho uma festa
para cuidar. Por que não arregaça as mangas e me ajuda? Mais tarde
conversaremos, Hannah pegou uma garrafa de gim e esgueirou-se, evitando tocar
em Ross que parecia ocupar todo o aposento, com sua altura e músculos.
Penny agradeceu,
encantada, o novo sortimento de bebidas.
—Tome um pouco,
menina - disse Joe, o noivo. — Comida e bebida põem mais carne no corpo.
—Hannah não precisa
disso — interrompeu Penny, encarando seu acompanhante. — Não acha, Guy? Desde
que chegou não para de olhar para ela...
Guy engasgou e respondeu:
— Hannah tem um corpo bonito,
Edgar ouviu o comentário e fuzilou-o com um
olhar de pai ofendido. Guy pensou, com ele mesmo, que pedir a moça em casamento
ia ser bastante complicado com tantas pessoas observando-os.
Voltou-se para
Hannah e viu que ela o encarava com desconfiança. Ótimo! Só faltava ela pensar
que se transformara em um maníaco sexual, pensou com sarcasmo. Era apenas um
homem que gostava de apreciar uma mulher bonita.
Tratou de manter a calma e esperou que Hannah
passasse por ele, pela sétima vez.
—Sente-se aqui! —
ordenou.
—Espere mais um minuto,Guy.
—Hannah Rafferty! — clamou ele para que todos
ouvissem.
—Quero pedi-la em casamento!
Então, aceita ou não?
No instante seguinte arrependeu-se das
próprias palavras, mas era tarde demais. Um silêncio sepulcral abatera-se sobre
o restaurante, e todos os olhares convergiam para ele.
Hannah ficou pálida
como um fantasma.
— O que disse?
Guy afrouxou o
colarinho.
— Pedi que se casasse comigo.
— Foi o que pensei — replicou ela, dando-lhe
as costas e saindo pela porta da rua.
— Pode tomar conta de Jamie para mim? — pediu Guy
a Edgar, e saiu atrás dela.
Percebera os olhos
brilhantes de Hannah e detestava vê-la chorar. Só a vira em lágrimas uma única
vez, e fora horrível.
Por instinto,
seguiu até uns arbustos próximos, onde Hannah costumava ir quando queria
ficar sozinha.
Suspirou ao ver que acertara. Lá estava ela!
— Não tive a intenção de perturbá-la...
Hannah ergueu o queixo.
— Como pôde dizer
uma coisa como aquela no meio de todo mundo? Gosta de me fazer de tola?
— Mas... quero
mesmo me casar com você!
Hannah desejou
dar-lhe um tapa. Era óbvio para todos na cidade que Guy não estava apaixonado
por ela, depois de dezessete anos ausente e com um filho de outra mulher. Como
se lesse seus pensamentos, o velho amigo explicou:
— Jamie precisa de
uma mãe, e você é a única em quem confio.
Hannah cerrou os
dentes com força. Sim, Guy desejava uma ama de confiança, que também soubesse
cozinhar e que fosse bem-humorada. Lamentava ser a última solteira em Quicksilver,
mas isso era demais! Guy não se interessava por ela como mulher, concluiu com
amargura.
— Espere até se
apaixonar por alguém — murmurou em voz alta. — Será melhor para Jamie.
Guy enfiou as mãos
nos bolsos.
— Apaixonei-me por
minha primeira esposa e foi um desastre total. Mas dessa vez será perfeito.
Dois amigos podem representar uma base mais forte para o casamento do que uma
paixão passageira.
Hannah desejou
gritar que não concordava, e que o amor era mais do que simples desejo físico.
Entretanto, não se tratava apenas do seu amor-próprio, mas da felicidade de um
menino pequeno. Sugeriu:
— Poderia ser sua
governanta.
— Não. Minha
ex-mulher pediu muito dinheiro para me dar a custódia de Jamie, porém já está
armando confusão para reavê-lo. Preciso de uma esposa e de uma família estável
de modo que qualquer juiz reconheça que posso dar um lar decente para meu
filho.
— Mas, se sua
ex-mulher já assinou os papéis, como pode querer reaver Jamie?
Guy suspirou
fundo.
— De acordo com meu
advogado, quando se trata de crianças essas mudanças são possíveis. Além disso,
Jamie precisa de segurança e de uma mãe de verdade.
Hannah estremeceu.
Guy estava oferecendo-lhe a concretização de um grande sonho. Tomar conta dos
irmãos menores não era ser mãe. E aquela poderia ser sua última chance de
casar, ponderou. Entretanto, que tipo de casamento Ross pretendia? Quartos
separados? Sempre tinham sido amigos, não namorados...
— Então... quanto
tempo duraria nosso casamento? Um ano? Dois? — perguntou em voz alta.
— Pelo menos até
Jamie fazer dezoito anos. Mas acho que será fácil para nós dois ficarmos
juntos. Pense nisso. É sua oportunidade de deixar Quicksilver. Viveremos na
península de Kenai, mas poderemos ir a Anchorage sempre que desejar. Posso
dar-lhe uma boa vida, Hannah!
De novo ela sentiu
vontade de dar-lhe um tapa. Desde crianças Guy tivera a capacidade de
irritá-la. Podiam ter sido grandes companheiros, mas brigavam como cão e gato o
tempo todo. Por que as coisas seriam diferentes agora que eram adultos?
— Acha que eu me
casaria com você por causa de uma "boa vida",Guy?
— Foi só um
comentário... Pensei que gostaria de saber que iria lucrar com o acordo.
Hannah pensou que Guy
ficara cínico com a idade. Lembrou-se de quando, anos atrás, ele a encontrara
chorando entre aqueles arbustos, porque sua mãe morrera. Abraçara-a e tinham
ficando em silêncio por muito tempo.
— Acho que pensou
que eu daria pulou de alegria se recebesse uma proposta de casamento, seja lá
de quem — disse Hannah com orgulho.
Guy fez uma careta,
percebendo como fora desajeitado. Mas, como fazê-la compreender? Assim que
obtivera a custódia de Jamie, Hannah fora a primeira pessoa em quem pensara.
Era boa e meiga, a mulher ideal para ser mãe. E não seria mau tê-la de volta em
sua vida, como antiga companheira de infância. Respondeu:
— Não pensei nada
disso.
— Como não? Ficamos
dezessete anos sem nos vermos. O que esperava? Todos sabem que não estávamos
namorando, e devem estar dando boas risadas lá dentro.
— Não quis fazer uma
brincadeira boba, Hannah
Gostaram?
Comentem please..s2
Ravelly
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